Pessoas negras não precisam ser ouvidas por jornalistas só quando o assunto é racismo. A partir dessa premissa, a Ufes aderiu a uma ação organizada por duas jornalistas do Sul do país, cujo objetivo é a criação de um banco de fontes negras. Os nomes cadastrados ficarão disponíveis em uma planilha à qual a mídia nacional terá acesso para realizar entrevistas sobre as diversas áreas de atuação das fontes, tenha a pauta recorte étnico-racial ou não. Os pesquisadores negros da Universidade (docentes, técnicos e estudantes) e membros da comunidade externa interessados em participar do Guia de Fontes Negras devem incluir seus dados no formulário https://forms.gle/KPraTCnPrvthhYb39.
A iniciativa é das jornalistas Marília Marasciulo, de Florianópolis (SC), e Luísa Martins, de Pelotas (RS), que iniciaram o projeto em junho deste ano após a onda de protestos antirracistas iniciada nos Estados Unidos aquecer as pautas ligadas à temática racial. “Ao procurar um especialista negro para falar sobre o tema, ele reclamou que fontes negras só eram buscadas em pautas sobre racismo”, lembra Marília Marasciulo.
O reitor Paulo Vargas afirma que a adesão da Ufes ao projeto é mais uma iniciativa da Universidade na tentativa de romper as barreiras ainda colocadas pelo racismo presente na sociedade. “A Ufes procura estar sempre atenta para que debates sobre questões étnico-raciais estejam presentes no cotidiano da Universidade, seja em encontros formativos para docentes ou em eventos institucionais, como a Conferência de Ações Afirmativas da Ufes. Aderir a esta iniciativa é mais uma forma de contribuir para que o trabalho dos pesquisadores negros, em todas as áreas do conhecimento, tenha maior reconhecimento e visibilidade”, declara.
Acesso
Atualmente, 228 jornalistas têm acesso às 170 fontes cadastradas no Guia, que inclui acadêmicos, influenciadores digitais, empreendedores e artistas. A planilha é fechada e o acesso é concedido aos profissionais de imprensa somente mediante solicitação enviada para os e-mails mariliamarasciulo@gmail.com e luisaroigmartins@gmail.com ou por direct message (DM) nas redes sociais das jornalistas (@mariliamarasciulo e @luisamartins). “O Guia é uma planilha compartilhada que está sendo constantemente alimentada e revisada por nós. Importante dizer que, por segurança, as informações não são públicas”, explica Marília Marasciulo, fazendo um alerta: “’Jornalistas’ de sites fake news não são jornalistas”.
O projeto do Guia de Fontes Negras se une à proposta Nós por nós: entreviste um negro, criada pela organização não governamental Think Olga. A diferença entre as ações está no fato de que o Nós por nós é um banco voltado exclusivamente para fontes acadêmicas. Além disso, ele é aberto, podendo ser acessado por qualquer pessoa, sem mediação de profissionais. Para se cadastrar nessa iniciativa, basta que o pesquisador envie um e-mail para entrevisteumnegro@gmail.com. O banco de dados está disponível em https://url.gratis/55wdt.
Democratização
O pró-reitor de Assuntos Estudantis e Cidadania da Ufes, Gustavo Forde, lembra que profissionais e pesquisadores negros estão inseridos em diversas áreas de conhecimento. “Democratizar a cor dos sujeitos entrevistados pelo Jornalismo e construir um catálogo de fontes que representa a diversidade étnico-racial brasileira é tarefa fundamental para uma nação que se pretende democrática”, afirma ele.
Forde, que é pesquisador em educação das relações étnico-raciais, é um dos responsáveis pela iniciativa Unidade Negra Capixaba de Combate à COVID-19. O projeto reúne militantes, profissionais, pesquisadores e especialistas das áreas de Saúde, Educação, Psicologia, História, Ciências Sociais e Ciências Exatas, todos negros ou envolvidos na causa antirracista, para enfrentamento dos impactos do novo coronavírus na população negra do Espírito Santo.
Para a coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab) da Ufes, Jacyara Paiva, a questão do racismo estrutural “não nos permite fugir de uma pauta racial”. De acordo com ela, “ao aproximar mulheres e homens negros, o Guia investe na representatividade negra, sendo uma forma de avançar nessa invisibilidade histórica dos negros, que raramente são consultados pelos meios de comunicação quando o assunto não é racismo”.
“Convido os pesquisadores negros da Ufes e de outros espaços de pesquisa a se cadastrarem no Guia de Fontes Negras para que possam ser fontes nacionais. Mostrem seus trabalhos, se desvelem como fontes especializadas nos mais diversos temas, porque pesquisador negro fala sim de racismo, mas não fala só de racismo. A participação da Ufes nesta ação é essencial para que possamos caminhar juntos na luta antirracista. Precisamos estar presentes em todos os espaços de discussões”, conclui a coordenadora.
Texto: Adriana Damasceno
Edição: Thereza Marinho