Cátedras Sérgio Vieira de Mello se manifestam contra assassinato do refugiado Moïse Kabagambe

03/02/2022 - 17:51  •  Atualizado 04/02/2022 21:12
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Todas as 28 Cátedras Sérgio Vieira de Mello, dentre elas a da Ufes, assinaram uma nota de repúdio ao espancamento e assassinato do jovem congolês Moïse Mugenyi Kabagambe, de 24 anos, que residia no Rio de Janeiro na condição de refugiado (confira a nota na íntegra no arquivo anexado abaixo). As cátedras são estabelecidas em cooperação entre universidades brasileiras e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).

A nota ressalta que "a vítima foi espancada até a morte por cinco homens, o gerente e demais funcionários, com pedaços de madeira e um taco de beisebol, após cobrar um pagamento atrasado. Tal fato revela de forma transparente o racismo estrutural arraigado na sociedade brasileira, bem como a xenofobia e a aporofobia [aversão ao pobre]. Não é um fato isolado quando observamos o cotidiano de imigrantes humanitários, refugiados e solicitantes de refúgio, que é atravessado por preconceito, dificuldades em diferentes graus e inúmeros problemas sociais". Trata, ainda, das condições precárias de trabalho às que Kabagambe estava sujeito, situação recorrente, apesar de a legislação brasileira garantir direitos sociais às refugiadas e aos refugiados no Brasil.

A coordenadora da Cátedra Sérgio Vieira de Melo na Ufes, Brunela Vincenzi, participou da elaboração da nota, que foi publicada inicialmente pelas cátedras SVM do Rio de Janeiro, mas com o apoio de todo o Brasil. Vincenzi ressalta que o racismo estrutural aumenta a vulnerabilidade de pessoas refugiadas no país.

"As pessoas vindas do continente africano sofrem uma sobreposição de preconceitos. É o que ocorre com refugiados vindos de países como Angola, Congo e República Democrática do Congo. O racismo se soma à vulnerabilidade da condição de refugiado, da pessoa que precisa se mudar de país para fugir do risco de uma guerra, por exemplo", afirma a professora do Departamento de Filosofia.

Reação

O pedagogo angolano Nicodemos Ndjungu, que vive e trabalha como professor da rede pública de Serra, na Grande Vitória, relata que diversos imigrantes sofrem preconceito no seu dia a dia, vivem situação laboral semelhante à de Kabagambe e se identificaram com o caso.

"Muitos trabalham no setor de gastronomia e de hotelaria, que, por precisar de mão de obra, é mais aberto a pessoas de outros países, em alguns casos até pessoas sem documentação. Eu já me vi em uma situação semelhante à do Moïse, de cobrar por um serviço que fiz como auxiliar de pedreiro, porque eu precisava do dinheiro para pagar minhas contas, e a pessoa me mostrar uma arma. Eu decidi não enfrentar, mas ver o que ocorreu no Rio de Janeiro dá muito medo", detalha Ndjungu.

Ao realizar uma especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social na Ufes, em 2017, o pedagogo conheceu outros colegas estrangeiros e, juntos, fundaram a Associação Angolana no Estado do Espírito Santo (Agesb), que apoia pessoas imigrantes e refugiadas na obtenção de documentos para regularizar sua permanência no Brasil e atua em parceria com a cátedra da Ufes. "Com a pandemia, também temos sido demandados a ajudar com cestas básicas, para garantir a alimentação".

Ndjungo acrescenta que a visibilidade do caso e a reação da sociedade brasileira têm dado segurança para as e os imigrantes, os quais ressaltam o acolhimento que recebem no Brasil, país que veem como sua segunda casa, ou como sua "mãe adotiva".

Sobre a Cátedra

A Cátedra Sérgio Vieira de Mello na Ufes foi criada por meio de parceria entre a Universidade e o ACNUR em agosto de 2015, e tem como objetivo promover e difundir e Direito Internacional Humanitário, o Direito Internacional dos Direitos Humanos e, em especial, o Direito Internacional dos Refugiados que se encontrem sob a proteção internacional do Governo do Brasil, bem como desenvolver atividades que objetivem a incorporação da temática do refúgio na agenda acadêmica da instituição.

 

Texto: Lidia Neves
Edição: Thereza Marinho