Decisão do Conama sobre áreas de proteção no litoral pode trazer prejuízos ao ES, afirmam pesquisadores

11/11/2020 - 16:07  •  Atualizado 12/11/2020 17:04
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Em Carta Aberta à Sociedade, professores e pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Oceanografia Ambiental da Ufes e da Universidade do Vale do Itajaí se manifestaram conjuntamente contra decisão do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) revogando normas que definiam faixas de proteção permanente em áreas de vegetação do litoral brasileiro, como restingas e manguezais, e ao redor de represas. Para os autores, suprimir essa legislação abre brechas para o uso indevido dos recursos naturais, favorecendo determinados grupos sociais e econômicos, na falsa premissa de desenvolvimento sustentável.

A Carta (anexada abaixo) destaca exemplos no cenário do Espírito Santo, mostrando os prejuízos que podem ser trazidos localmente com a decisão do Conama, tanto ao meio ambiente, favorecendo a erosão ao longo da costa e prejudicando a preservação da biodiversidade, por exemplo; quanto à sociedade capixaba, colocando em risco a segurança alimentar de comunidades tradicionais e prejudicando a manutenção de tradições, como a panela de barro e a moqueca capixaba.  

Os autores explicam, no documento, que problemas erosivos localizados ao longo da costa do Espírito Santo, como no litoral de Marataízes, Ponta da Fruta e Jacaraípe, têm como causa a destruição das dunas frontais, o que poderia ser agravado com as flexibilizações propostas pelo Conama: “Os sistemas de dunas e restingas são protetores da linha de costa, durante a subida do nível do mar, servindo como amortecedores da energia das ondas e de reserva de sedimentos na adaptação morfológica da costa”.

Segundo os pesquisadores, a suspensão das resoluções implicaria ainda a redução da biodiversidade, já que os ambientes costeiros (manguezais, praias e restingas) são habitat de diversas espécies, sendo que algumas são exclusivas do território capixaba: “As dunas e os manguezais capixabas também são importante ecossistema berçário para espécies marinhas, com destaque para tartaruga de couro (Dermochelys coriacea), que desova preferencialmente nas praias capixabas e está criticamente ameaçada de extinção”. 

Além disso, os manguezais são provedores de alimento para a sociedade, desde o camarão nas gôndolas dos supermercados até ostras, caranguejos e turus que alimentam as comunidades tradicionais. “Uma vez eliminado o espaço de ocorrência dessas espécies, esses produtos alimentares serão cada vez mais escassos para as populações que deles dependem como fonte de alimento e de subsistência econômica”. Os pesquisadores acrescentam que garantir os bens provenientes dos recursos naturais de comunidades tradicionais, ribeirinhas ou sob pressão social, nas grandes metrópoles, minimiza a fome, que é o segundo dos 17 objetivos do desenvolvimento sustentável propostos pela UNESCO, como forma de igualdade planetária.

Outra possível perda apontada na Carta Aberta é em relação à cultura no estado, já que o Espírito Santo detém vários patrimônios culturais associados aos manguezais. Dentre eles, estão as panelas de barro, tradição secular passada oralmente para diferentes gerações, e a torta capixaba, referência culinária do estado. “São riquezas de valor inestimável, que poderão ser perdidas com a diminuição das áreas de manguezal”.

Os autores apontam ainda o potencial de diversas praias capixabas para o turismo ecológico, por seu valor cênico, por sua balneabilidade ou por sua paisagem. “Esse aspecto eleva o potencial local para o turismo com maior retorno econômico do que aquele em que há degradação ambiental, assegurando também lazer com qualidade ambiental para a população local; e mantendo sua população original com acesso à qualidade de vida provida por uma fonte de renda suplementar associada à manutenção dos seus saberes e de sua cultura”.

A decisão do Conama tem gerado, desde sua publicação, em 28 de setembro, debates entre partidos políticos, ambientalistas e demais membros da sociedade civil. Quanto ao Judiciário, o Conama recebeu decisão contrária pela Justiça Federal no Rio de Janeiro, em 29 de setembro, e favorável, pelo TRF2, em 2 de outubro. A última manifestação foi da ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber, que proferiu, em 28 de outubro, liminar determinando “a imediata restauração da vigência e eficácia das Resoluções Conama nº 284/2001, 302/2002 e 303/2002”.

 

Texto: Nábila Corrêa
Imagem: Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema)
Edição: Thereza Marinho