Paulo Mendes da Rocha é titulado Doutor Honoris Causa em solenidade na Ufes

12/03/2020 - 14:44  •  Atualizado 01/11/2022 09:19
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“É com uma imensa emoção que eu venho visitar a terra onde nasci em uma circunstância tão extraordinária. Andei descalço nessas areias há noventa anos. (...) Fui por meu pai, um grande engenheiro, educador e professor, educado com grande respeito para avaliar a importância de um evento como esse”. Com tais palavras, o arquiteto e urbanista capixaba Paulo Archias Mendes da Rocha (na foto, à direita, ao lado do reitor da Ufes, Reinaldo Centoducatte) introduziu seu discurso de agradecimento pela concessão do título de Doutor Honoris Causa outorgado pela Ufes em sessão solene do Conselho Universitário realizada na noite desta quarta-feira, 11, no Teatro Universitário.

A concessão do título foi aprovada por unanimidade em reunião do Conselho Universitário realizada em setembro do ano passado. “A outorga se justifica pela trajetória do homenageado e sua fundamental contribuição às artes, à educação, à cultura e à ciência por meio de sua criativa e vigorosa produção de projetos arquitetônicos e urbanísticos”, afirmou o reitor Reinaldo Centoducatte, que presidiu a solenidade.

“Nascido em Vitória, por meio do seu talento e do seu trabalho, Mendes da Rocha tornou-se cidadão do mundo, mas preserva a relação afetiva com suas raízes na cidade onde viveu seus primeiros anos de vida. Entre tantas obras, nosso homenageado deixa como legado o projeto arquitetônico do Cais das Artes”, afirmou o reitor. Centoducatte reiterou a importância do Cais das Artes, ainda em construção, às margens da baía de Vitória, como “espaço de produção artística e cultural para o estado e o país” e dirigiu-se ao secretário Estadual de Cultura, Fabrício Noronha, presente no evento, pedindo providências para que o prédio seja concluído.

O reitor lembrou, ainda, que Mendes da Rocha “assina um valioso conjunto de obras que influencia diversas gerações, o que o torna referência intelectual, com contribuição no desenvolvimento crítico, artístico, social, político, da arquitetura, do urbanismo, das artes, algo fundamental nessa conjuntura em que a educação, as artes, o livre pensar, o livre manifestar e a democracia não são valorizados por quem nos governa”.

O professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo Kleber Frizzera, autor da proposta de concessão do título, lembrou que Mendes da Rocha é o primeiro arquiteto a receber essa honraria na Ufes. “Uma palavra que resume a maneira de ser e a obra do arquiteto é encantamento. Paulo Archias Mendes da Rocha distribui esperança aos nossos jovens, ao nosso futuro. Em seus gestos, desenhos e textos, valoriza o papel simbólico e o social da arquitetura. O encantamento é como um ato mágico que sai dos seus riscos e croquis, determinantes do seu modo de imaginar coisas que ainda não existem”, afirmou em seu discurso. Destacou também a herança familiar, vinda do pai, a relação harmônica com a natureza, o elemento geográfico e o compromisso internacionalista na obra de Mendes da Rocha.

O professor Frizzera, o diretor do Centro de Artes, Paulo Vargas, e a chefe do Departamento de Arquitetura e Urbanismo, Edna Rodrigues, formaram a Comissão de Honra que conduziu o homenageado ao seu local de destaque na sessão solene.

Palestra

Após o rito formal, houve palestra com Mendes da Rocha. O mestre destacou: “A questão fundamental da arquitetura é política, para fazer aquilo que gostaríamos que fosse colocado em discussão”. Segundo ele, um aprendizado adquirido na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo é que não se ensina arquitetura, mas se educa um arquiteto. “A ideia é que [na arquitetura] não podemos dizer que sabemos exatamente o que devemos fazer, mas podemos dizer sempre que sabemos o que não devemos fazer. E, portanto, tudo o que fazemos é uma experimentação na direção da realização dos desejos amparados nas necessidades. Eu preciso de um telhado para me abrigar. Ao contemplar a necessidade, eu exprimo o desejo que tenho. Isso constrói a história. E foi assim que se desenvolveu o que chamamos arquitetura, que é uma das escolas mais extraordinárias dentro das universidades”.

Mendes da Rocha destacou que o arquiteto tem que saber conceitos de construção, conhecer as políticas de ocupação dos espaços – “nas Américas, temos uma política horrível de ocupação, do tipo colonialista, de exploração, temos que reverter tudo isso”, afirmou –, atender às necessidades e aos desejos. “Essa expectativa de que o arquiteto está lidando com arte, ciência e técnica a um tempo só, como se pudesse ser um sábio, faz com se entenda que a arquitetura é uma forma peculiar de conhecimento, nascemos arquiteto”, acrescentou.

Biografia

Mendes da Rocha nasceu em Vitória, em 1928, onde passou os primeiros anos de sua vida. É neto do construtor Serafim Derenzi, que deixou inúmeras obras importantes no Espírito Santo. Sua obra é extensa e está espalhada no Brasil e no exterior, sendo considerada uma influente contribuição para o desenvolvimento crítico, político, social e artístico da arquitetura e do urbanismo de alcance mundial. Em 2006, recebeu o Pritzker, considerado o prêmio Nobel de Arquitetura.

Professor da Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo (FAU/USP), Mendes da Rocha foi perseguido pelo golpe de 1964, sendo afastado da universidade em 1969, à qual retornou em 1980, com a anistia. Formou diferentes gerações de arquitetos voltados para o desenvolvimento nacional e latino-americano, buscando a superação das desigualdades sociais e urbanas.

 

Texto: Sueli de Freitas