José (nome fictício) tem 46 anos, é casado há 25 anos e pai de uma universitária. Concluiu o segundo grau no sistema prisional, fez o Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) no ano passado, acaba de ser aprovado no Sisu e ingressará em um curso superior da Ufes. As aulas começam no dia 12 de agosto.
O personagem desta matéria (seu nome foi omitido para preservar a sua identidade) é um exemplo bem-sucedido de ressocialização de um ex-apenado que prestou serviços na Universidade por meio do convênio da instituição com a Secretaria de Estado de Justiça (Sejus) firmado em 2017. Na ocasião, a Ufes recebeu 20 trabalhadores apenados que prestaram serviços de manutenção das áreas externas do campus de Goiabeiras durante o dia.
José passou oito anos preso, seis no regime fechado e dois no semiaberto, e agora finaliza o cumprimento de sua pena em regime aberto. Ele reconhece a importância do trabalho de ressocialização durante o período de um ano que passou na Ufes: “Receber um tratamento digno e respeitoso pela comunidade universitária, tanto dos estudantes até pelos que exercem cargos de chefias, foi uma das melhores formas de socialização que já recebi. Saí de um lugar problemático para um lugar onde sou tratado sem preconceito, sem discriminação e com respeito. Isso contribuiu muito para melhorar a minha autoestima”, destacou.
Além de José, um ex-apenado que também trabalhava na Ufes foi contratado como funcionário de uma empresa terceirizada que presta serviços na Universidade. Para a chefia, ele é um exemplo de bom funcionário.
Integração
A ressocialização é um processo que objetiva a integração ao convívio social de pessoas que foram condenadas a cumprir algum tipo de sanção penal. Para ter um resultado positivo, o processo precisa ser realizado de forma digna, responsável e humana, e facilitar a readaptação social e familiar das pessoas condenadas de forma eficiente, de modo a não praticarem outros tipos de transgressões.
Mas os ex-apenados costumam enfrentar problemas para a recolocação no mercado de trabalho, devido à discriminação social. José explica que os desafios são diários, mas, no seu caso, foram superados. Ele retornou à sua atividade profissional anterior, o ramo de confecções. “Nem sempre a sociedade aceita uma pessoa que deseja uma segunda chance para recomeçar a vida. Entretanto, a cada dia que passa, a minha autoestima está maior. Quero ter a minha vida de volta. Quero estudar, trabalhar e ter acesso à cultura”, enfatizou.
Apaixonado por livros, lendo em média um livro por semana, o novo aluno da Ufes explicou ainda que a leitura foi essencial para todo o processo de ressocialização. “Tenho certeza de que a leitura me fez uma pessoa mais informada, com uma visão mais ampla da realidade. Leio todo tipo de informação. A leitura me faz questionar e debater ideias”, concluiu.
O futuro aluno da Ufes ressalta ainda o apoio que recebeu do Núcleo de Práticas Jurídicas (NPJ) da Universidade, que prestou assistência jurídica em seu processo de mudança do regime semiaberto para o regime aberto. Vinculado ao Departamento de Direito da Ufes, o NPJ é um órgão destinado ao atendimento da comunidade capixaba, tendo como atividade a prestação de serviços jurisdicionais, com orientação jurídica e proposição de soluções para as demandas da população assistida, e atua também em casos de solução extrajudicial de conflitos. O atendimento é integralmente gratuito e destinado a moradores de Vitória com renda familiar de até três salários mínimos mensais.
“O NPJ presta uma contrapartida para o cidadão e para a sociedade por meio da Ufes e ajuda na diminuição da pena, bem como na socialização e na integração à sociedade das pessoas que estão cumprindo algum tipo de pena. É dever da sociedade e do Estado promover essa reintegração dos apenados à sociedade”, ressalta Glênio Giuberti, advogado e professor voluntário do Departamento de Direito da Ufes, que está cuidando do processo do novo estudante.
Convênio
Atualmente, a Ufes conta com os serviços de 51 trabalhadores apenados. Eles atuam nas áreas externas dos campi de Maruípe e Goiabeiras, realizando manutenção da área verde, pintura, poda de plantas, capina, compostagem, paisagismo e aparo da grama, bem como remoções de entulhos e mudanças de equipamentos e mobiliário.
A ressocialização é coordenada pela Prefeitura Universitária, com a finalidade de promover a integração de presos que cumprem pena em regime semiaberto. Os trabalhadores chegam aos campi pela manhã e, ao final da tarde, retornam ao presídio de Xuri, em Vila Velha. Pelo convênio firmado com a Sejus em 2017, o trabalhador apenado recebe um salário mínimo (R$ 998) pelo serviço prestado, tendo acesso a 1/3 desse valor. Do restante, 1/3 vai para a assistência à família do interno e 1/3 é destinado a uma conta poupança à qual ele poderá ter acesso após sair da prisão. À Ufes também compete fornecer vale-transporte, uniforme e equipamentos de proteção individual (EPI) aos trabalhadores.
A seleção dos prestadores de serviço é feita dentro da unidade prisional, com a participação de psicólogos, e, na sequência, a Prefeitura Universitária identifica os perfis para direcioná-los às atividades. Vários deles já conseguiram remissão de pena e foram soltos, o que abriu espaço para a convocação de novos trabalhadores apenados.
“A Universidade está cumprindo seu papel social, auxiliando o Poder Judiciário e o Governo do Estado com essas ações de ressocialização, preparando os apenados para o retorno à sociedade. Essa ação é importante para a construção de uma sociedade melhor para todos nós”, declarou o prefeito universitário, Renato Schwab.
Texto: Jorge Medina
Foto: Danielle Gonçalves (estagiária de Comunicação)
Edição: Thereza Marinho