Artigo aponta contaminação de peixes no estuário do Rio Doce, em Regência

29/07/2020 - 19:39  •  Atualizado 31/07/2020 17:01
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Em artigo publicado na plataforma bioRxiv (pré-impressão), pesquisadores da Rede Solos Bentos Rio Doce, incluindo estudantes do Programa de Doutorado em Ciências Biológicas da Ufes, mostram a contaminação de peixes por metais pesados no estuário do Rio Doce (foto), próximo a Regência, no norte do Espírito Santo, em decorrência dos rejeitos da barragem da Samarco no município de Mariana, em Minas Gerais. Publicado no final de junho, o artigo é fruto do estudo financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes), pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

“Esse artigo vem dar uma resposta à comunidade de Regência sobre a contaminação do pescado após a queda da barragem. Sim, o peixe ficou contaminado com metais e impróprio para o consumo humano”, afirmou o doutorando Fabrício Ângelo Gabriel, um dos autores do artigo ao lado da colega de pós-doutorado da Ufes Ana Carolina Mazzuco e de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), da Pontifícia Universidade Católica (PUC/RJ) e da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (ESALQ-USP). Fabrício é orientado pelo professor Angelo Bernardino, que também assina o artigo e é o coordenador da Rede Solos Bentos Rio Doce.

O estudo apresenta que, com a queda da barragem de Fundão, em 2015, os rejeitos de metais que desceram o Rio Doce em direção à costa capixaba foram se acumulando nos sedimentos do estuário, em Regência, onde acontece o encontro da água doce com a salgada. Em agosto de 2017, quase dois anos após a tragédia ambiental, as concentrações dos metais cádmio, zinco, chumbo e cromo nos sedimentos tiveram um aumento de 35.900%, 2.319%, 2.031% e 1.217%, respectivamente, em comparação às concentrações de referência, baseadas nas amostras de 2015, antes da chegada dos rejeitos ao estuário. 

Os pesquisadores também avaliaram a concentração de metais no fígado e nos músculos de diferentes espécies de peixes: bagres, tainha e carapeba. O resultado mostrou que os animais, fonte de alimento comum para a população local, estavam contaminados. Foi evidenciado, ainda, o efeito nocivo dos metais, pois os peixes produziram defesas fisiológicas, ou seja, proteínas fabricadas pelo organismo quando há excesso de metais essenciais às funções biológicas ou quando se trata de algum metal indesejado. “Dessa forma, foi possível associar os metais presentes no ambiente com os acumulados no corpo dos peixes”, afirmou Fabrício Gabriel.

Efeito tóxico

Segundo o pesquisador, as espécies de bagres estudadas foram as que apresentaram maior contaminação, com concentrações de zinco, cobre, mercúrio, arsênio, selênio, cromo e manganês acima dos limites seguros para o consumo humano. Ele lembra que, apesar dos metais zinco, cobre, cromo e manganês serem essenciais para funções biológicas dos seres vivos, podem se tornar prejudiciais, caso haja consumo excessivo. Por outro lado, a ingestão de mercúrio e arsênio, em qualquer quantidade, tem efeito tóxico.

O monitoramento do estuário continua sendo feito a cada seis meses. A última coleta aconteceu em janeiro deste ano, mas as análises ainda não foram concluídas. A próxima, prevista para agosto, foi suspensa em função da pandemia da COVID-19. 

Segundo Fabrício Gabriel, os dados atuais do estuário só serão conhecidos no futuro, mas as previsões não são das melhores. “A saúde do estuário do Rio Doce provavelmente está comprometida pela recorrente contaminação, e os efeitos podem se prolongar ao longo dos anos, sugerindo condições não ideais para o desenvolvimento e a produção pesqueira”, afirmou.


Texto: Sueli de Freitas
Imagem: Professor Angelo Bernardino

Edição: Thereza Marinho