Debate sobre divulgação científica e combate à desinformação abre a X Jornada de Extensão

22/11/2022 - 17:59  •  Atualizado 23/11/2022 18:51
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A divulgação científica e o exercício da democracia num contexto de desinformação foram os temas centrais na primeira mesa-redonda da X Jornada Integrada de Extensão e Cultura, realizada na noite desta segunda-feira, 21. A conversa entre especialistas e o público abriu a série de debates que integra a programação da Semana do Conhecimento da Ufes, que segue com atividades variadas. Assim como as demais mesas-redondas, marcadas para esta terça e quarta, o bate-papo foi realizado de forma virtual pelo canal da Proex no Youtube.

Intitulada O Papel da Divulgação Científica e a Construção da Democracia no Combate à Desinformação e mediada pelo pró-reitor de Extensão, Renato Neto, a mesa teve como convidados os professores e pesquisadores Almudena Muñoz Gallego (Universidad Complutense de Madrid) e Fabio Malini (Ufes). Os especialistas discorreram sobre os temas por cerca de 30 minutos, e em seguida responderam perguntas do público que acompanhava o debate.

Para a professora Gallego, a problemática da divulgação científica passa, antes de tudo, por uma definição do termo. Ao contrário da "disseminação" científica, um movimento que, segundo ela, se limita a espalhar o conhecimento apenas entre a comunidade acadêmica por meio de publicações especializadas, o conceito de "divulgação" depende de uma comunicação direta com a sociedade.

"A divulgação é um momento em que se fala com o cidadão. Quando a pesquisa atravessa a fronteira acadêmica, ajuda a formar o sentido crítico da população", afirmou. Dessa forma, a partir de bases científicas, as pessoas podem tomar decisões a respeito de temas que as afetam no dia a dia. "Se você recebe uma notícia falsa, mas tem capacidade de se perguntar, de contrastar essa informação, seu poder de escolha aumenta. [Ao contrário da sociedade de informação], saber escolher é a chave que define a sociedade de conhecimento", disse.

Superficialidade

Um dos obstáculos para a absorção do conhecimento científico, segundo Gallego, é a "superficialidade" do consumo cotidiano de informação na qual estamos imersos. "O pesquisador trabalha com pontos muito específicos do seu objeto de pesquisa, que são difíceis de compreender num contexto de consumo superficial da informação", disse. Por isso, e também por uma diferença entre a linguagem científica e a linguagem comum, a divulgação da ciência precisa respeitar certos preceitos para atingir o público de massa: "O tema tem que ser colocado de forma que mostre como afeta a vida diária da pessoa".

Além da formatação adequada do conteúdo, os divulgadores científicos podem utilizar diversas ferramentas e formas para apresentar seus projetos, não necessariamente científicas, como as publicações tradicionais. Exemplos não faltam, segundo a professora: "Audiovisual, redes sociais, imagens fixas, imagens em movimento. Há muitas opções. E não se perde o rigor científico".

Antes de encerrar sua fala, Gallego defendeu a criação de núcleos exclusivos de divulgação científica nas universidades, para que cientistas e comunicadores trabalhem em conjunto. Disse, ainda, que a responsabilidade de atrair interesse do público pelas pesquisas é dos pesquisadores e divulgadores: "É improvável que o público mude de opinião, a menos que nós demos uma razão para isso".

Desinformação

Após a participação inicial da professora, Fabio Malini descreveu um cenário que definiu como "nosso desafio geracional". Segundo o professor e pesquisador da Ufes, a desinformação na atualidade chega ao ponto de estruturar os processos deliberativos da democracia. Ou seja, o ambiente democrático de argumentação e tomada de decisões está contaminado por "elementos fora da lógica democrática, como o rumor e as fake news".

"Deliberar é um mecanismo fundamental da democracia e muito dependente da qualidade da informação", afirmou Malini, relembrando a prática da vacinação no Brasil: "Mesmo em países como o Brasil, onde há tradição de vacinação, os indicadores de vacinação não apenas contra a covid-19, mas até contra doenças até então erradicadas (como a poliomielite), caíram. Essa queda tem muito a ver com os argumentos dos atores que conduzem essas políticas, baseados em narrativas de desinformação".

Outro aspecto do cenário de desinformação, para Malini, é a supremacia da crença diante do fato. Embora estejamos numa sociedade com cada vez mais informação e tecnologia, o fato perdeu seu papel primordial no processo democrático. "Estamos vivenciando o retorno da crença como fundamento do processo deliberativo: 'Contra crenças não há argumentos'. E não estamos falando apenas de um comportamento de extrema-direita, mas de diferentes lados políticos em que a crença afeta esse processo", afirmou.

Nesse quadro de descrédito do fato e da ciência, há figuras que atuam para aprofundá-lo. Segundo Malini, alguns deles são os "trolls", separados entre "independentes" e "contratados", que em comum têm como método a retórica virulenta contra personalidades e contra informações de cunho científico. Muitas vezes, esses trolls se utilizam da linguagem jornalística para disseminar "fatos" imprecisos ou falsos. 

"A desqualificação desses canais tradicionais tira o 'chão' da ciência e do jornalismo, e então os valores de onde eles surgem ficam suspensos. Fica mais difícil construir processos decisórios. E num espaço de stress emocional, [os atacados] passam até a disseminar informações não checadas em uma tentativa de se defender", disse o professor.

A programação da X Jornada de Extensão e Cultura segue até sexta-feira, 26, com a realização de mostra de projetos, apresentações culturais, mesas-redondas, oficinas, minicursos, feira de economia solidária e exposições, além da solenidade de entrega do Prêmio Maria Filina de Mérito Extensionista.

 

Texto: Leandro Reis
Edição: Thereza Marinho