Pesquisa mostra deficiências em teste para diagnóstico de esquistossomose

05/04/2021 - 17:35  •  Atualizado 07/04/2021 10:14
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Uma pesquisa com população de localidade não endêmica para esquistossomose revelou deficiências num novo método para diagnóstico da doença: o teste imunocromatográfico point-of-care para detecção do antígeno catódico circulante do esquistossomo na urina (POC-CCA). A investigação integrou o estudo multicêntrico encomendado pelo Ministério da Saúde (MS) para avaliar a eficiência do teste que poderia ser adotado no Brasil. O MS já recebeu o relatório técnico do estudo indicando que o POC-CCA não deve ser recomendado como teste de diagnóstico da esquistossomose no país e a Organização Mundial de Saúde (OMS) deixou de indicar seu uso.

O resultado da pesquisa realizada na cidade de Marau, região serrana do Rio Grande do Sul, está publicado em artigo na revista Acta Tropica, que tem como um dos autores Carlos Teixeira, professor do Departamento de Patologia e do Núcleo de Doenças Infecciosas (NDI) do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da Ufes. Segundo o professor Teixeira, 140 amostras de urina foram testadas no POC-CCA (imagem), um método que consiste no depósito de gotas de urina num cassete (espécie de caixa) com fita de papel que muda de coloração conforme a presença ou não da substância que aponta a existência do verme no organismo humano.

Os voluntários também coletaram amostras de fezes que passaram pelo método tradicional em laboratório, o chamado Kato-Katz (KK), que faz a busca de ovos no material excretado. Também foi realizada uma contraprova utilizando um método ultrassensível em laboratório, similar ao KK, mas com uma quantidade maior de material fecal para a busca de ovos, o chamado método Helmintex (HTX). 

Falso-positivo

No teste com o POC-CCA, 38% das amostras deram resultado positivo para esquistossomose. Utilizando o método tradicional e o ultrassensível, nenhum resultado positivo foi detectado. “Considerando que estamos numa região não endêmica e que os testes de laboratório são muito mais precisos, tivemos resultados falso-positivos com o POC-CCA”, explicou Teixeira.

A segunda deficiência apontada pelo professor foi na nova testagem das amostras utilizando lotes diferentes do POC-CCA. “Esses testes são fabricados na África do Sul. Os insumos vêm prontos para a montagem dos kits no Brasil. Observamos que diferentes lotes deram resultados diferentes com as mesmas amostras de urina”, contou.

Ele lembra que a publicação do artigo demorou porque passou por várias revisões, inclusive com reaplicação do teste com um lote do POC-CCA vindo dos Estados Unidos. “Fizemos todo o teste novamente, até que os revisores se convenceram de que o POC-CCA produz uma reação inespecífica”, afirmou. Após a aprovação para publicação, a Organização Mundial da Saúde, que tinha em seu site a recomendação para utilização do teste rápido, retirou o texto da página.

“É uma contribuição importantíssima para que se desenvolvam mecanismos sérios de avaliação de diagnóstico. A Anvisa demonstrou muito profissionalismo e rigor técnico na avaliação de medicamentos e de vacina, mas ainda está engatinhando na avaliação de testes de diagnóstico, pois o setor começou a se estruturar há pouco tempo”, avalia Teixeira.

Diagnóstico

O diagnóstico da esquistossomose é importante para a erradicação da doença no Brasil. Segundo o professor Teixeira, com a significativa redução das verminoses de um modo geral e da esquistossomose em particular, o desafio de diagnosticar a doença tornou-se ainda maior em todo o mundo. “Houve redução dos casos pela melhoria geral das condições de vida, isso não quer dizer que o problema esteja resolvido. Com um número menor de infectados, a quantidade de vermes em cada pessoa é menor, mais difícil atacar os focos e eliminar a doença”, explica. Daí a necessidade de métodos de diagnóstico que não deixem dúvidas.

A doença

A esquistossomose, conhecida popularmente como barriga d’água, é uma doença parasitária causada por vermes trematódeos do gênero Schistosoma. Tem alta prevalência nas populações mais pobres, que habitam locais onde não há saneamento básico, e é transmitida pelo caramujo.

Apesar da boa notícia da redução do número de casos, seria necessário um sistema de notificação mais preciso para quantificar infectados atualmente no Brasil. Estima-se algo em torno de dois milhões de pessoas contaminadas em bolsões concentrados em algumas regiões úmidas da região Nordeste e no norte de Minas Gerais. No Espírito Santo, há casos residuais ainda em 14 municípios, apesar de o estado constar, ao lado do Ceará, como um dos mais próximos de erradicar a doença, segundo último plano do Ministério da Saúde.

 

Texto: Sueli de Freitas
Edição: Thereza Marinho