Projeto AcolheDOR oferece atendimento psicológico a pessoas em luto

07/05/2021 - 16:36  •  Atualizado 11/05/2021 17:08
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O Departamento de Psicologia da Ufes, por meio do projeto AcolheDOR, está oferecendo atendimento gratuito a pessoas que estão vivendo processos de luto. Em grupo ou individual, a ideia é atender moradores do Espírito Santo que estão em processo de luto, desde familiares em luto gestacional ou neonatal, e pessoas que perderam parentes ou amigos em decorrência da covid-19, até profissionais de saúde que estão convivendo com elevado número de mortes nos locais de trabalho.

Além da demanda espontânea, os pacientes também são encaminhados por hospitais do estado. Após o preenchimento de um questionário com informações pessoais e relativas ao seu processo de luto, a pessoa pode passar por uma entrevista ou já ser encaminhada para atendimento individual ou em grupo. Os atendimentos são realizados por estudantes do décimo período do curso de Psicologia, sob supervisão da psicóloga e professora Luciana Bicalho.

“Estamos em fase de acolhimento inicial das pessoas que têm nos procurado. Vamos atender pessoas somente do Espírito Santo, especialmente da Grande Vitória, porque nossa intenção é que os atendimentos sejam feitos presencialmente após o fim da pandemia”, afirmou. Os grupos terão em média dez pessoas.

Os interessados podem obter informações pelo telefone (27) 99970-3124, pelo e-mail acolhedor.ufes@gmail.com ou no perfil @acolhedor.projeto no Instagram.

Processo natural

Segundo a psicóloga, o luto é um processo universal e natural; tendo o suporte social adequado, as pessoas geralmente são capazes de lidar com essa experiência de forma satisfatória. “A grande maioria dos enlutados não precisa de suporte profissional, mas alguns precisarão. Vários fatores vão influenciar a experiência do luto, desde aqueles de ordem pessoal, como os ligados ao vínculo com quem morreu, às circunstâncias da morte, à possibilidade de ritualizar a perda, entre outros”, afirma.

Ela destaca que, neste momento da pandemia, em que as perdas se dão em massa, repentinamente e somos impedidos de nos despedir adequadamente de quem nos deixa, algumas pessoas podem ter mais dificuldade de viver o luto. “A ausência de rituais de despedida, a impossibilidade de acompanhar a pessoa em seu processo de hospitalização, a falta da última palavra, do último olhar, podem ser doses de acréscimo de sofrimento, tornando algumas tarefas do luto mais difíceis. Entretanto, famílias e pessoas enlutadas devem ser encorajadas a criar outros rituais de despedida e homenagem a quem partiu”, afirma.

Em sua avaliação, os rituais devem ser criados dentro da realidade de cada família e comunidade, pois devem fazer sentido para aquele grupo. “Temos visto exemplos desses rituais, como missas on-line, encontros ao ar livre para homenagear a pessoa que morreu ou carreatas. O importante é que aquilo que foi colocado no lugar dos velórios tradicionais faça sentido e ajude a pessoa a elaborar sua perda”.

Experiência de dor

O primeiro passo para enfrentar o processo de luto é dar lugar para que ele aconteça. “É importante para o enlutado ter sua dor e pesar reconhecidos e validados socialmente. Para as pessoas enlutadas, é importante reconhecer que o luto se trata de uma experiência de dor, muitas vezes intensa, a qual devemos dar um lugar, ou seja, permitir-se sentir essa dor, acolhendo e expressando-a. Construir significados para essa experiência e rituais de despedida e homenagem a quem morreu, especialmente quando compartilhados socialmente, também são medidas que ajudam a dar contorno ao luto. O sujeito aprende, como resultado de um processo, que o vínculo com aquele que partiu não se finda, mas se torna de uma outra natureza. Encontrar modos de estabelecer esse novo vínculo, de dar novo lugar a esse amor que ficou, é um dos desafios do sujeito enlutado”, diz a professora.

Grupos e rodas de conversa

No projeto AcolheDOR, foram pensados grupos temáticos para facilitar os processos de luto. Segundo a psicóloga, trabalhar com grupos pode ter efeito reconfortante sobre os participantes pela identificação e vinculação que se cria. “O processo de luto vai ser sempre singular, mas também apresenta similaridades entre as pessoas a depender de uma série de fatores, entre eles o tipo de morte e quem foi a pessoa que morreu. Assim, os desafios com que lidam pais que perderam bebês na gestação (luto gestacional) ou logo após o nascimento (luto neonatal) são diferentes de quem perdeu os próprios pais ou um cônjuge, por exemplo. Poder compartilhar sua história e dor com pessoas que passaram pela mesma experiência também tem efeitos positivos sobre as pessoas, que sentem que o outro entende e sabe do que ela fala”, afirma Luciana Bicalho.

As rodas de conversa serão direcionadas aos profissionais de saúde que, em razão da pandemia, têm vivenciado situações frequentes de luto, ainda que as mortes sejam de pessoas desconhecidas. “Podemos pensar que profissionais de saúde podem, sim, se enlutar pela morte das pessoas de quem cuidam, porque o vínculo não necessariamente tem relação com o tempo de convivência ou a existência de um grau de parentesco. Mas nem toda morte vivenciada vai ser acompanhada de um processo de luto. O profissional pode sentir tristeza, compaixão, impotência, sentimento de fracasso, entre tantos outros. Por isso, dizemos que se trata de um processo singular, porque os profissionais de uma mesma equipe podem reagir de modos muito distintos frente à morte de um mesmo paciente”, explica.

A professora destaca que, em um processo de luto, dificilmente sabemos tudo que foi perdido: “O que significa isso? Que não se perde somente uma pessoa, mas idealizações, projeções, investimentos afetivos. Ou seja, um profissional, quando cuida de alguém que vem a morrer, perde também seu investimento naquela vida, suas idealizações em torno da possibilidade de cura, experimentando sentimento de impotência, entre muitas outras coisas. Assim, podemos considerar que há um luto também de questões próprias daquele profissional, do que de si mesmo foi colocado naquela relação de cuidado e foi perdido com ela. Assim, podemos dizer que no luto sempre perdemos parte de nós também”.

 

Texto: Sueli de Freitas
Edição: Thereza Marinho