Noventa anos após a conquista do sufrágio feminino no Brasil, movimento político e social que estendeu às mulheres o direito ao voto, elas ainda são minoria nos espaços de poder. A partir de estudos desenvolvidos, as pesquisadoras Lívia Rangel e Tanya Kruger, do Laboratório de Estudos de Gênero, Poder e Violência (LEG/Ufes), explicam os fatores históricos por trás da persistência desse quadro de sub-representação na política institucionalizada.
No Brasil, apenas 14,9% do total de parlamentares são mulheres, segundo a Inter-Parliamentary Union, índice bastante inferior à média global, que corresponde a 25,9%. O país ocupa a 145ª posição no ranking. Já no contexto regional, o Espírito Santo possui apenas 5% de representação feminina nos cargos políticos, apesar de 52% das eleitoras serem mulheres.
Para Lívia Rangel, pós-doutoranda em História da Ufes, a mentalidade patriarcal é um dos motivos que explicam o fato. “A sociedade é machista e existe a noção binária de que cada gênero tem um papel predeterminado na sociedade e na família. Assim, as mulheres são reduzidas à biologia, à casa e aos filhos, enquanto os homens são destinados aos negócios e ao espaço público. Nesse sentido, são usados argumentos como ‘elas não se interessam’, ‘não entendem’ ou ‘não nasceram para isso’”, exemplifica a pesquisadora.
A divisão sexual do trabalho, acarretada por essa mentalidade, é outro dificultador. “Há uma dificuldade para elas escolherem estar no ambiente político, que requer tempo, capital e participação no partido, uma vez que também estão imersas nessas jornadas com o lar e os filhos”, afirma Tanya Kruger, mestre em História Social das Relações Políticas pela Ufes.
Desafios
Para tentar reduzir as desigualdades no ambiente político, a nova Lei das Eleições (nº 9.504/1997), que passou a valer no pleito municipal de 2020, obriga os partidos a indicarem mulheres a pelo menos 30% das candidaturas. “A lei de cotas é a única ação afirmativa institucionalizada em prol da participação feminina na política. Contudo, ela não é suficiente, pois existem muitas mulheres feitas de ‘laranjas’, ou seja, que não vão participar de campanhas e do pleito, apenas estarão lá para preencher a cota exigida”, pondera Kruger.
Depois de eleitas, o desafio é ocupar posições dentro do partido e dos espaços de poder, ambientes geralmente associados a figuras masculinas. Essa imagem também colabora para que as mulheres sejam questionadas e hostilizadas nos espaços públicos, segundo Rangel. “Desde crianças, somos bombardeadas com imagens masculinas representando poder, força, segurança, raciocínio. E todas as mulheres que se destacaram na política, como a [ex-primeira-ministra britânica] Margaret Thatcher, são apresentadas como excepcionais, alguém fora do seu lugar, dotada de capacidades próprias dos homens”, destaca.
Como consequência, episódios de violência de gênero se manifestam, segundo as pesquisadoras, em interrupções de fala, ameaças, ofensas à honra e à reputação, exclusão de debates, invasão de privacidade, atos de manipulação psicológica e, principalmente, nos discursos de desqualificação da competência da mulher política.
Perspectivas
Estimular o debate sobre a participação da mulher na política para além dos períodos eleitorais, fortalecer a legislação (percentual mínimo de mulheres eleitas, por exemplo) e unificar as lutas femininas são alguns dos pontos levantados pelas pesquisadoras para que sejam conquistados avanços nesse cenário. “Talvez seja hora de irmos às entranhas do problema, ampliar sua discussão, articular melhor a nossa própria compreensão do que é política e dobrar seu significado, para que pareça menos com a foto de um homem branco, de meia-idade, engravatado”, finaliza Rangel.
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