“O projeto nos ajudou a ver o valor de nossa própria cultura”. A fala de Gabriella Lopes resume o sentimento de centenas de pessoas que, como ela, residem em alguma das seis comunidades tradicionais da planície costeira do Rio Doce e foram beneficiadas pelas atividades do projeto de extensão Comunidade Participativa. O projeto tem como objetivo promover a formação socioambiental dos moradores da região, tornando-os capazes de tomar decisões e acessar seus direitos e oportunidades.
Comunidade Participativa é a segunda iniciativa extensionista abordada na série de reportagens sobre programas e projetos de extensão, que vai ao ar toda quinta-feira no portal da Ufes. A ação foi a vencedora geral da edição de 2020 do Prêmio de Mérito Extensionista Maria Filina, realizado anualmente pela Pró-Reitoria de Extensão (Proex).
Realizado pelo Laboratório de Educação Ambiental (LabEA) do campus de São Mateus, o projeto atua em comunidades pertencentes a dois setores socioculturais: pesqueiro, que inclui Barra Nova Norte, Barra Nova Sul e Campo Grande; e quilombola, envolvendo Palmito, Santana e Linharinho. “Nossa ideia com este trabalho é fortalecer o protagonismo social para que os próprios moradores realizem diagnósticos socioambientais, elaborem planos de trabalho, promovam ações necessárias à garantia de seus direitos, acessem oportunidades e enfrentem os problemas que limitam a qualidade de vida em seus territórios”, explica o professor do Departamento de Ciências Agrárias e Biológicas Marcos Teixeira, coordenador do projeto.
Atuação
Cerca de três mil pessoas já foram beneficiadas pelas ações do Comunidade Participativa. Dentre as atividades propostas, está o diagnóstico socioambiental participativo realizado em assembleias, nas quais os moradores são distribuídos em grupos temáticos para indicarem os principais fatores limitantes da qualidade de vida, apontando possíveis soluções. O projeto também implementa Comissões de Desenvolvimento Socioambiental (CDSs), eleitas pelas assembleias, que atuam na elaboração e na execução de planos de ação para enfrentamento dos problemas socioambientais indicados no diagnóstico.
As CDSs são capacitadas por meio de oficinas e reuniões, mediadas pela equipe do projeto, sobre as temáticas inseridas nos planos de trabalho. “Assim, à medida que os moradores, membros das Comissões, atuam na execução do plano de trabalho para enfrentamento das demandas socioambientais, também estão inseridos em um processo formativo”, lembra o coordenador. Todo o conteúdo das oficinas e a carga horária dos encontros é registrada e os membros das CDSs são certificados como Agente de Desenvolvimento Socioambiental.
A equipe do projeto ainda organiza cursos voltados para estudantes do ensino médio, nos quais são abordados aspectos sociais e históricos do território, a gestão ambiental pública e as ferramentas básicas de desenvolvimento de projetos socioambientais, com aulas expositivas, atividades de campo e troca de conhecimentos com lideranças comunitárias e mestres de saberes. Muitos dos jovens formados no curso ou nas CDSs atualmente realizam ações como elaboração e execução de projetos culturais, engajamento na luta por melhorias nas escolas e mobilização para a adequada destinação de resíduos.
De acordo com Teixeira, a partir da atuação no Comunidade Participativa, muitos jovens passaram a vislumbrar a possibilidade de ingressar em um curso técnico ou superior, alguns tendo sido aprovados na Ufes e no Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes). “Além disso, ao se relacionar com o ensino e a pesquisa, o projeto foi ambiente fértil para o desenvolvimento de atividades pedagógicas para os estudantes da Ufes matriculados nos componentes curriculares de Educação Ambiental”, ressalta.
Pandemia
Em virtude da pandemia da COVID-19 e da consequente suspensão das atividades presenciais, o Comunidade Participativa readaptou suas ações para cumprir as orientações sanitárias e de segurança, buscando evitar o contágio e atender às novas demandas das comunidades. A equipe já distribuiu três mil cestas básicas e vem realizando atividades de inclusão digital aos estudantes que não possuíam acesso à internet.
Segundo o coordenador, o projeto teve como resultado significativo o despertar do sentido e da importância do engajamento nas lutas sociais e o resgate da vida em comunidade. O discurso da moradora da comunidade de Palmito Katia Ferreira, participante do Comunidade Participativa, corrobora essa visão: “O projeto me trouxe conhecimentos relevantes em relação a alguns direitos da comunidade, além de auxiliar em sua organização”.
Para Gabriella Lopes, a residente de Santana que abriu esta reportagem, o projeto foi importante por ajudar no autoconhecimento: “Nossa história foi massacrada e nos foi passada de forma distorcida. Com o projeto, evoluímos muito, nos tornamos pessoas mais voltadas às causas sociais e ambientais”.
Balanço
Por meio das ações do Comunidade Participativa, diversos problemas socioambientais tiveram encaminhamentos de solução na região das comunidades atendidas. Até o momento, o projeto já realizou 96 reuniões de mediação, capacitou 65 novas lideranças e assessorou 13 associações. “Esse número extrapola a área de abrangência do projeto, prevista, inicialmente, para seis comunidades”, comemora Teixeira.
Cinco projetos da comunidade foram aprovados no edital do Fundo de Cultura do Estado do Espírito Santo (Funcultura) e um em edital da Fundação Renova. Nas atividades de educação ambiental, foram realizadas 15 palestras, 12 exposições e 12 lives, contando com a participação de membros das CDSs, estudantes participantes da equipe, lideranças comunitárias e mestres de saberes populares.
Do ponto de vista acadêmico, o projeto contribuiu com a formação de seis estudantes de graduação, três de mestrado e um técnico-administrativo da Ufes. Além disso, foram produzidas obras que abordam os aspectos culturais e socioambientais da planície costeira do Rio Doce, como seis documentários, duas cartilhas, dois resumos expandidos, um capítulo de livro e um livro (veja no anexo, ao final da reportagem). “Produzimos 350 exemplares, que serão distribuídos nas comunidades e escolas da região. Nosso objetivo é contribuir com a regionalização do currículo escolar”, diz Teixeira.
O projeto de extensão Comunidade Participativa atuou entre agosto de 2019 e dezembro de 2020 contando com patrocínio do programa Petrobras Socioambiental e apoio da Fundação Espírito-Santense de Tecnologia (Fest). Atualmente, as ações seguem sendo realizadas de maneira voluntária. “Continuamos dando assessoria às comunidades na escrita de projetos e documentos necessários, na mobilização comunitária, na busca por parceiros e contribuindo na execução das ações. Uma nova atividade na qual o projeto está atuando é a recuperação do Olho D’água de Santana, em parceria com a ONG Voluntários do Bem”, finaliza o coordenador.
Para conhecer mais as ações desenvolvidas pelo projeto, basta acompanhar o Comunidade Participativa no Instagram.
Texto: Adriana Damasceno
Edição: Thereza Marinho