Projeto propõe práticas pedagógicas para alunos de comunidades tradicionais

26/08/2021 - 17:30  •  Atualizado 27/08/2021 20:10
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“Ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo”. A frase do educador Paulo Freire no livro Pedagogia do Oprimido foi um dos pontos de partida para a criação, em 2014, do projeto de extensão Narradores da Maré. A ação busca fomentar a criação de práticas pedagógicas dialógicas, espaços de convivência e diálogos de saberes entre a comunidade interna da Ufes e professores e alunos da educação básica de escolas públicas situadas em áreas próximas aos manguezais da baía de Vitória.

Narradores da Maré é mais um tema abordado na série de reportagens (confira todas elas no final do texto) sobre os programas e projetos desenvolvidos pela Pró-Reitoria de Extensão (Proex), publicada às quintas-feiras no portal da Ufes. O projeto foi um dos 26 finalistas da edição 2020 do Prêmio de Mérito Extensionista Maria Filina, sendo o único finalista representando o Centro de Educação.

Criada e coordenada desde o início pelo professor Soler Gonzalez, do Departamento de Educação, Política e Sociedade, a ação extensionista conta atualmente com a participação da bolsista Taynara Costa, além de estudantes de graduação dos cursos de Geografia e Pedagogia, alunos da pós-graduação e membros da comunidade externa. A equipe organiza e planeja as práticas pedagógicas, que são pensadas em conjunto com os sujeitos e coletividades envolvidos no processo.

Segundo Gonzalez, Narradores da Maré pretende registrar, acompanhar e problematizar, por meio de narrativas, fotografias e práticas pedagógicas dialógicas e coletivas, as geografias, as territorialidades, as espacialidades, as temporalidades, os saberes e os fazeres ecológicos que emergem com as práticas cotidianas das comunidades que vivem e sobrevivem dos manguezais capixabas. “Criamos movimentos de pesquisa e formação de professores, graduandos, pós-graduandos, comunidades tradicionais e cotidianos escolares”, diz.

Práticas

O coordenador destaca que o projeto mobiliza as pessoas a pensar os territórios, as culturas e as condições de vida dessas comunidades que vivem em áreas de manguezais: “Pensamos a seguinte questão: quais as contribuições políticas, éticas, ecológicas e pedagógicas dos que vivem em áreas próximas aos manguezais?”.

As ações do projeto incluem oficinas pedagógicas e aulas de campo nos manguezais da Ufes, no bairro de Goiabeiras e no Centro de Vitória, e contam com diferentes parcerias, tanto internas – caso do Cine Metrópolis, da Biblioteca Central e do Centro de Educação Infantil Criarte – quanto externas, como o Museu do Pescador da Ilha das Caieiras, escolas municipais, a Associação de Paneleiras de Goiabeiras, a Associação de Moradores de Goiabeiras, a Banda de Congo Panela de Barro e o Instituto Marlin Azul.

Desde quando o projeto foi registrado na Proex, as aulas de campo foram realizadas em todos os semestres e estão inseridas nos programas de ensino das disciplinas ofertadas aos cursos de Geografia (licenciatura) e Pedagogia. “As práticas pedagógicas de extensão e de ensino têm possibilitado encontros de saberes e com outras geografias e ecologias cotidianas, aproximando Universidade, professores, estudantes da educação básica e comunidades que vivem em manguezais da baía de Vitória”, destaca Gonzalez.

Encontros

Em 2019, o projeto organizou encontros, como o Vem brincar com a gente, que aconteceu no Píer das Paneleiras de Goiabeiras, em janeiro; aula de campo, roda de conversa e Cinepipoca, em Goiabeiras Velha, no mês de abril; e produziu o filme de animação Dia do Manguezal, feito por crianças da educação infantil, sob supervisão da equipe do projeto de extensão, ao longo do segundo semestre. A obra foi lançada em dezembro, no Cine Metrópolis (foto ao lado), localizado no campus de Goiabeiras da Ufes.

“Nesse período, percorremos territórios nos microprocessos de aprender e ensinar, utilizando as práticas pedagógicas do Narradores da Maré que afirmam e reforçam o comprometimento político, ético e pedagógico por uma ‘educação como prática de liberdade’, anticolonial e antirracista”, diz o coordenador, citando Paulo Freire.

Transformação

A bolsista Taynara Costa, estudante do quinto período do curso de Química (bacharelado), nasceu e cresceu no bairro de Goiabeiras, onde vive até hoje. Ela conta que a entrada no Narradores da Maré causou uma transformação em seu olhar em relação às riquezas naturais da cidade e cita a atuação com as Paneleiras de Goiabeiras como o trabalho mais marcante, tanto por ter possibilitado o conhecimento de famílias pioneiras do bairro, quanto por aprender mais sobre a química envolvida no processo de fabricação das panelas de barro.

“Foram experiências inesquecíveis, recheadas de afetos. Aprendi a valorizar ainda mais o ambiente no qual estou inserida desde pequena. Para além disso, ser bolsista do projeto me ajuda muito a conseguir seguir minha graduação com mais tranquilidade e estabilidade”, analisa a estudante.

Para o coordenador, a realização das práticas pedagógicas cotidianas do Narradores da Maré mobiliza os participantes a pensar os territórios, as culturas e as condições de vida das comunidades envolvidas: “Aprendemos outras maneiras de caminhar por entre manguezais, geografias e afetos encharcados de microexperiências, resistências, temporalidades e territorialidades, com potencial descolonizador e diálogos amorosos”.

Pandemia

Desde meados de 2020, a equipe de extensão vem organizando novas ações, agora pensadas para o ambiente virtual devido à pandemia de covid-19. Em agosto, o projeto realizou ações veiculadas em seu canal no YouTube, com a realização do I Ciclo de Rodas de Conversas Ecologias Insubmissas, durante o qual foram celebrados os 60 anos da publicação do livro Quarto de Despejo: diário de uma favelada, escrito pela poetisa Carolina Maria de Jesus.

As rodas de conversas foram inspiradas no pensamento do líder indígena Ailton Krenak e na obra da romancista Conceição Evaristo. A segunda edição do Ecologias Insubmissas deve acontecer ainda no segundo semestre.

Ainda em 2020, foram organizadas lives que debateram o tema Experiências do estágio supervisionado e do ensino de Geografia em tempos de pandemia, com transmissão pelo YouTube, e, em 2021, foram realizadas as Cineconversas, nas quais os participantes assistiram a curtas-metragens com foco nas questões étnico-raciais e foram convidados a produzir vídeos e cartões postais. A atividade Cineconversas está associada a um projeto de estágio pós-doutoral em Educação da pesquisadora Andrea Ramos, membro do Narradores da Maré desde a criação da ação extensionista.

A equipe criou contas no Instagram, no Spotify e na plataforma StreamYard, que vêm sendo utilizadas desde 2020. “Os usos desses canais vão possibilitar o armazenamento e a divulgação de ações de ensino, pesquisa e extensão do Narradores da Maré, cumprindo também a função de ser uma alternativa metodológica para a produção de dados dos projetos de pesquisa de iniciação científica e de mestrandos”, explica o coordenador. Também está sendo discutida a continuação da produção de episódios de podcasts, que têm como objetivo manter e ampliar as redes educativas do Narradores da Maré, disponibilizando para a sociedade ações de extensão articuladas com projetos de pesquisa dos estudantes.

As ações de ensino, pesquisa e extensão executadas pelo projeto alimentam as abordagens teóricas e metodológicas do grupo, além de servir de conteúdo para o blog do Narradores da Maré.

Gonzalez ressalta que o distanciamento social, o ensino remoto e a falta de uma política que garanta o direito ao acesso universal à internet tornaram-se grandes desafios para a equipe: “De qualquer modo, usamos os artefatos tecnológicos para mantermos o projeto e suas ações em andamento, aproveitando dessa tecnologia para armazenar conteúdos, divulgar ações e ampliar as redes educativas”.

Mais informações sobre o Narradores da Maré podem ser obtidas no Instagram e no Facebook do projeto.

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Texto: Adriana Damasceno
Imagens: Divulgação do projeto (as fotos das ações em grupo foram produzidas antes da pandemia)
Edição: Thereza Marinho