Ufes e Museu Americano de História Natural descobrem três espécies de morcegos no que parecia ser uma só

12/07/2024 - 18:39  •  Atualizado 16/07/2024 20:25
Texto: Com informações do Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas     Edição: Thereza Marinho
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Foto do morcego voando

Um estudo recente mostrou que o morcego conhecido pelo nome científico Trachops cirrhosus, que até então era classificado como espécie única, amplamente distribuída desde o México até o sul do Brasil, é na verdade um complexo de pelo menos três espécies distintas, muito parecidas entre si, mas com diferenças genéticas, morfológicas e ecológicas significativas. Este estudo, publicado em junho na revista científica American Museum Novitates, fez parte da tese de doutorado em Biologia Animal da pesquisadora Bruna Fonseca, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas da Ufes, sob orientação dos professores Yuri Leite e Albert Ditchfield.

Esses morcegos são predadores e se alimentam de vários animais, como insetos, anfíbios e aves. Eles são conhecidos principalmente por sua habilidade em utilizar o canto estridente de acasalamento das rãs para localizá-las e abatê-las, recebendo o título de morcegos comedores de rãs (frog-eating bats, em inglês).

As suspeitas de que o gênero Trachops teria mais de uma espécie começaram nos anos 1990, quando o professor Albert Ditchfield fazia doutorado na Universidade da Califórnia (Berkeley, EUA) e percebeu que esses morcegos apresentavam uma diversidade genética muito maior do que a esperada entre indivíduos de uma mesma espécie. Isso acabou levando-o a um pós-doutorado no Museu Americano de História Natural, em Nova York (EUA), sob a supervisão da coautora do trabalho, Nancy Simmons.

Em seguida, a pesquisadora Bruna Fonseca se debruçou no problema e fez uma abordagem mais holística, conhecida como taxonomia integrativa, combinando dados genéticos, morfológicos e ambientais. Foram examinados mais de mil indivíduos e utilizadas 160 sequências de DNA de amostras de Trachops distribuídas do México ao sudeste do Brasil, e oriundas de dez coleções científicas do Brasil e do exterior.

O pesquisador do Museu Americano de História Natural Angelo Soto-Centeno se juntou ao grupo nos últimos anos, para aplicar análises estatísticas mais sofisticadas e testar quantas espécies de Trachops existem. Esse número poderia chegar até sete, mas o resultado mais consistente foi de três espécies: Trachops ehrardti, na Mata Atlântica do sul e sudeste do Brasil; Trachops cirrhosus, amplamente distribuída da Mata Atlântica do Nordeste até o Panamá, passando por toda a Bacia Amazônica; e Trachops coffini, presente da Costa Rica ao México.

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Foto da cabeça do morcego

Preservação

Coorientador da tese, Yuri Leite afirma que os resultados do trabalho são muito importantes e vão além da constatação de que a biodiversidade é maior do que se pensava. “Quando se tratava de uma só espécie, ela era considerada como pouco preocupante em termos de conservação. No entanto, com a divisão em três espécies, é preciso reavaliar o status de conservação de cada uma delas individualmente”, explica.

Ele aponta que, por ocorrer na porção sul-sudeste da Mata Atlântica, a espécie T. ehrardti vem sofrendo mais impactos do desmatamento ao longo dos últimos séculos, em relação à T. cirrhosus, que tem uma distribuição bem mais ampla, incluindo toda a Bacia Amazônica, que foi historicamente menos desmatada do que a Mata Atlântica.

“Somente podemos avaliar corretamente o grau de ameaça de uma espécie se ela for adequadamente reconhecida pela ciência, e este trabalho foi o primeiro passo neste sentido” destaca.

Crença popular

O professor do Departamento de Ciências Biológicas e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas da Ufes afirma ainda que, ao contrário da crença popular, somente três das 1.466 espécies de morcegos que existem no mundo se alimentam de sangue. Todos os demais se alimentam de frutos, néctar, insetos ou outros animais, sendo de grande importância ecológica ou até mesmo comercial.

Muitos atuam como importantes polinizadores ou dispersores de sementes de várias espécies de plantas, outros controlam populações de insetos, prevenindo que se tornem pragas agrícolas.

O estudo foi financiado com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Fotos: Sherri & Brock Fenton

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